terça-feira, 6 de setembro de 2011

Atos Impuros


ATOS IMPUROS – A Vida de uma Freira Lésbica da Itália da Renascença


Fonte: 
http://caminhandonotempo.blogspot.com/2011/04/atos-impuros-vida-de-uma-freira-lesbica.html


Introdução
A autora fazia pesquisas no Arquivo do estado de Florença para um manuscrito que estava escrevendo sobre a Pescia da Renascença quando encontrou um inventário de documentos cujos registros diz “Papeis relacionados ao julgamento da irmã Benedetta Carlini de Vellano, abadessa das freiras teatinas de Pescia, que se passava por mística, mas que se descobriu ser uma mulher de má reputação”.
Duas coisas chamaram-lhe a atenção, a primeira era o lugar de origem que era o mesmo do lugar sobre o qual ela estava escrevendo – Pescia da Renascença. Ela poderia colher informações adicionais sobre a cidade e seu povo, e, segundo e principalmente, a curiosidade por saber o que fizera essa freira para merecer palavras tão rudes do arquivista do século XX que tinha lido e feito o inventário do documento.
O documento de cerca de cem páginas consistia em uma série de investigações eclesiásticas ocorridas entre 1619 e 1623 sobre as visões e as proclamações místicas de Benedetta Carlini, abadessa do Convento da Mãe de Deus. As investigações continham, entre outras coisas, uma descrição detalhada de suas relações sexuais com outra freira, o que torna o documento único na Europa pré-moderna e inestimável para análise de áreas até agora inexploradas da vida sexual das mulheres, assim como dos pontos de vista da Renascença sobre a sexualidade feminina.
Alguns anos depois, as notas se transformaram em um livro.






Parte dois-
A Economia e Sociedade da Época

A narrativa relata a história de Benedetta Carlini, nascida no final do sec. XVI na pequena vila italiana de Vellano, próxima à Florença. As fontes documentais dessa história foram descobertas por um acaso e retratam a sociedade da Renascença em um contexto religioso, revelando a ocorrência de relações homossexuais entre mulheres, que eram ignoradas pelos europeus, pois eles não levavam em conta a atração entre mulheres.
Benedetta nasceu em uma família de situação relativamente estável do ponto de vista material. Seu pai era o terceiro homem mais rico entre os oitocentos habitantes de Vellano. Sua mãe era de família importante na região. Seu pai era um homem culto e erudito.
Como Benedetta teve dificuldades em seu nascimento, seu pai Giuliano, religioso, suplicou a Deus pela sua vida e como agradecimento pela graça alcançada lhe deu esse nome que quer dizer “abençoada”, dedicando-a ao serviço de Deus. Assim, Benedetta estava desde o momento de seu nascimento destinada a viver em um convento e se tornar uma freira.
As mulheres daquela época não tinham poder de decisão sobre as suas vidas; enquanto solteiras, eram totalmente manipuladas pela figura paterna e quando casadas, pelo marido. Sem alternativas, eram coagidas a um casamento arranjado ou a clausura num convento.
Para muitas mulheres, o convento poderia ser a melhor opção, considerando até as que não tinham vocação religiosa, isso porque como donas de casa jamais teriam o privilégio de se expressar de alguma forma e se submeteriam às vontades de seus cônjuges.  Para os pais, o convento também era um subterfúgio bastante atraente, pois sustentar financeiramente uma filha num convento seria uma despesa menor do que dar um dote para um casamento com alguém de prestígio. Uma freira da época chamava esse tipo de vida como “Inferno Monástico” ao qual as freiras eram condenadas pela tirania dos pais. No caso de Benedetta Carlini, o fato de ter visões e premunições sobrenaturais, facilitou a sua ascensão como abadessa do convento da Mãe de Deus das freiras teatinas da Pescia.
Os conventos da Europa estavam do fim do século XVI enfrentavam profundas reformas que afetavam tanto o número quanto o caráter das instituições religiosas, devido à dupla pressão do crescimento da população e do crescente fervor religioso da Contra-Reforma católica. Em decorrência disso os conventos estavam abarrotados, razão pela qual muitas moças foram recusadas, enquanto outras eram aceitas graças a parentescos nos conventos ou ao valor do “dote”.
Recebeu educação do pai, que lhe ensinou a educação renascentista, e principalmente a doutrina religiosa católica, incomum para aquela sociedade, que costumava receber as instruções da parte materna.  Apesar de muitos aspectos de sua educação parecer semelhante à de muitas outras mulheres religiosas de seu tempo, o fato de ter sido educada pelo pai torna-a mais próxima daquelas mulheres cultas e humanistas da Renascença de que a maioria das mulheres da classe média de seus dias. Ela sempre foi envolvida por cuidados porque acreditavam que era uma “escolhida” e foi levada para o convento com apenas nove anos de idade. Transformada (Transformou-se) em uma freira obediente e exemplar, convivendo com mulheres que tinham uma vocação religiosa e outras que não tinham essa vocação.

Os fatos sobrenaturais começaram a ocorrer ainda na infância, na casa de seus pais, mas Quando iniciam suas visões sobrenaturais no convento, Benedetta busca ajuda de seus superiores, é investigada e no primeiro momento é considerada como doente por sentir dores durante as visões, mas com a continuidade, acabam por aceitar que ela era realmente uma visionária.
Assim que o convento das teatinas da Pescia foi reconhecido pela igreja com o apoio de todas as irmãs e das autoridades eclesiásticas locais, Benedetta alcançou um posto de prestígio precocemente, aos 30 anos, por ser uma freira visionária. Quando esteve à frente do convento como abadessa, tornou-se eficiente administradora, dominava a parte social, econômica, política e espiritual das necessidades da ordem, articulava e selecionava os membros do conselho que arrecadavam e mediavam as doações. Além disso, ela também coordenava a venda dos produtos agrícolas que produziam, incluindo a seda que era fabricada pelas freiras dentro do convento, atribuía nomeação das freiras capacitadas, entre outros afazeres.
Benedetta torna-se uma mulher de influência e poder, uma ascensão feminina considerável na era moderna, mas suas visões de naturezas mística e erótica levantam suspeitas quando ela diz ter um contato sobrenatural com Cristo...

Terceira Parte -
Espiritualidade


O nascimento de Benedetta em 1590, foi um fato permeado por uma atmosfera sobrenatural, de contos de fadas. Seu pai aguardava por seu nascimento  quando  parteira que a assistia o informa sobre a possibilidade de mãe e filha não sobreviverem.Giuliano era um homem religioso, e imediatamente implora a Deus que poupe suas vidas. Quando a parteira o avisa de que estava tudo bem com Midea e o bebê, Giuliano faz uma promessa de mandar a filha ao convento para que se dedique ao serviço Sagrado.
A menina recebe o nome de Benedetta que significa  abençoada, e seu pai fiel a sua promessa, passa então de forma dedicada e incomum para a época, a educar sua filha dentro da doutrina Católica de modo a prepara-la para um destino já resolvido por ele, isto, o que era comum na época. Giuliano passa a instrui-la para, no mínimo, ser uma santa. Neste tempo,  filhos de ambos os sexos eram educados pela mãe no primeiro estágio de suas vidas, até por volta dos cinco anos de idade, quando então os meninos passavam a receber educação ministrada por  um professor homem.
Com Benedetta foi diferente Aos cinco anos já sabia de cor a litania dos santos (1°) e  outras orações; aos seis anos, aprendeu a ler e a estudar os rudimentos da doutrina cristã, inclusive algumas noções de latim. Sob a orientação de seu  pai, um homem devoto, ela repetia as orações. Giuliano era especialmente apegado a um crucifixo que possuía e em seu testamento deixa estabelecido que após a sua morte e de sua esposa, a casa onde viviam deveria ser transformada num oratório dedicado a Nossa Senhora .
Sua mãe, muito devota à Santa Catarina de Siena (2°), em suas conversas com a filha diz à ela para ter a Madona como sua mãe e protetora , dirigindo-se a santa sempre que se sentisse insegura, como faria à sua própria mãe.  Teve, desse modo, uma tímida participação em sua educação ensinando a menina a rezar cinco padre-nossos e oito ave-marias por dia, pois acreditava ter que encaminhar a filha para uma mulher mais poderosa, sobrenatural, que oferecesse melhor proteção do que ela própria à  Benedetta.  Proteção contra o que ou quem?
·         Suas visões começam na infância. Certo dia, a menina é atacada por um cão negro que aparece e tenta arrastá-la consigo. Os gritos da criança o assustam, e quanto sua mãe vem socorrê-la, ele já tinha desaparecido. Esse fato foi compreendido como o diabo ter se disfarçado de animal a fim de machucá-la. Seria preciso, a partir disso, que ela tomasse cuidado.
·         Um outro fato foi o de um rouxinol que começou a acompanha-la , imitando as canções que ela cantava.Quando não queria que ele lhe acompanhasse, ordenava que se calasse, ao que o rouxinol obedecia. E ela aceitava o acontecimento com naturalidade, sem medo, nem agradecimentos  a Deus por testemunhar Seu poder. Conviveu com o pássaro durante algum tempo e última vez que o viu, estava com nove anos, a caminho a Pescia para juntar-se a outras mulheres dedicadas a vida religiosa. Despediu-se dele e, segundo moradores, ele nunca mais foi ouvido naquele lugar.
O rouxinol possui um simbolismo ligado ao amor, sentimentos e a morte. [{Shakespeare}
  • A Europa vivenciava o expansionismo e tudo era passível de virar mercadoria, e o mercado de “casamentos” , tanto comuns, como com Cristo, não escapava a regra. O dinheiro era importante para se colocar uma filha no convento. Tudo se torna passível de virar mercadoria, e o mercado da fé era um dos que mais poder e dinheiro necessitava para se auto-afirmar nesse novo mundo...
·         A autora  “imagina os sentimentos de uma criança montanhesa de nove anos de idade aproximando-se da agitação febril de uma pequena cidade à sombra de um dos maiores centros culturais da Europa” , e o impacto para uma criança da montanha, em termos de distância cultural e psicológica, a partir dessa mudança de mundos individuais e geografias culturais completamente diferentes.
·         Fernand Braudel nos diz que “as montanhas são um mundo à margem da civilização”. (3°, 4°)
·         Em 1599,ingressa na ordem religiosa das teatinas,  momento em que a comunidade monástica ainda não havia sido  regulamentada. A verdadeira constituição desta ordem não sobreviveu, só podemos vislumbrar através de algumas anotações feitas por um padre da Sagrada Anunciação, que dá uma breve descrição de suas atividades.
·         Sob a direção espiritual do padre confessor, Paolo Ricordati, as teatinas são orientadas a adotar a chamada Regra de Santo Agostinho, que era um conjunto de conselhos espirituais dentro dos quais cada comunidade poderia acomodar suas regras mais específicas. A regra determinava a postura das freiras, como a necessidade de levar uma vida comunal sem propriedade privada, a observância de orações,  mortificação da carne através do jejum, obediência, leituras da Bíblia, cumprimento dos Santos Sacramentos toda semana, confissão dos pecados no refeitório e a cada quinze dias em seu local de oração e na presença de todas. permanência em retiro, só podendo ser vistas na missa da igreja mais próxima.
·         Assim que seu pai a deixou, ela ajoelhou-se diante da estátua de Nossa Senhora e recitou essa prece :                                         “Minha mais doce mãe, deixei minha mãe carnal por ti, peço-te que me aceites como tua filha”. A Madona pareceu acenar afirmativamente.
·         A autora diz – “Um tempo depois, deu mostras que sua filha adotiva lhe era particularmente cara. Num relato Benedetta conta que certa vez, enquanto orava em frente à Virgem, não sabia qual meditação escolher para agradar a si mesma e à Sua Mãe, como um sinal de satisfação, a Virgem inclinou-se para beijá-la. Ela gritou assustada, e a estátua caiu de cima do altar. A Madre superiora veio correndo e ergueu a estátua. Sua reação contrasta com suas primeiras reações diante de acontecimentos sobrenaturais”.
·         Começa, então, a demonstrar que questiona para si mesma o quão extraordinários seriam tais acontecimentos. Todas essas informações nos ajudam a perceber o imaginário onde Benedetta teve construída sua espiritualidade. Uma espiritualidade forjada a ferro e fogo...

·         O sobrenatural recomeça em 1613, pouco antes de sua ordem religiosa receber permissão para construir seu convento - Benedetta tem 23 anos e conta à madre superiora e a seu confessor que estava tendo visões de fundo místico. O livro relata que ela , sendo aconselhada pelos superiores, tentava de todas as maneiras resistir as visões...Que sentia dores e sofria muito quando fazia tais contatos.
·         Em seus relatos sobre as visões, ricos em detalhes deixa claro a profundidade de seus conhecimentos cristãos. Sempre exaltando o mundo superior – divino-, numa eterna luta para escapar das armadilhas do mundo inferior – material - mas o que sabia ela, realmente, sobre o mundo material? Dentro de seu mundo encantado, provavelmente imaginava o mundo humano um lugar de perversão ao qual ela deveria resistir. Se precisava resistir, significa que seria “tentada” por ele? Depois de algum tempo os êxtases se tornaram frequentes
·         Ela afirmava incorporar o próprio Jesus Cristo e esse, através dela, dava ordens para que todos aceitassem as determinações de Benedetta, pois essa era sua “noiva”, uma pessoa especial e ameaçava castigar os desobedientes... Em um de seus êxtases, teve o seu coração arrancado por Jesus e substituído por outro. Bartolomea Crivelli, sua acompanhante, está em seu quarto no momento da visão e é testemunha ocular desse evento. Na página 104,  falando através dela, Jesus discorre sobre as virtudes de Benedetta e ordena os preparativos para um arranjo de casamento rico em conteúdos simbólicos...Durante o casamento, afirmava ter recebido de Jesus um anel, do qual as freiras só viam a marca.
·         Havia também o anjo Splenditello, sua identidade masculina, através da qual se absolvia dos pecados, pois isso lhe permitia justificar sua personalidade que, ao mesmo tempo assimilava e burlava valores da sociedade patriarcal, num tempo em que as mulheres não tinham voz. Sua voz para ser ouvida deveria passar pelo Sagrado...
·         O conteúdo de suas diversas visões nos dá um panorama de suas pretensões. Durante o tempo em que esteve à frente da ordem cumpriu suas funções de administrar o convento e a vida espiritual das suas  irmãs com eficiência.
·         Na primeira  investigação, suas declarações ao Santo oficio terminam por convencer  aos investigadores que realmente ela poderia ser uma freira visionária, pois se comportava e agia como tal e havia elementos como a verificação de sinais, a ortodoxia das visões e o caráter e o comportamento de visionária .A preocupação central dos investigadores com o conteúdo de suas visões eram se estas estavam ou não em conformidade com obrigatória sujeição à Igreja. Por fim , havia a alegação de que o destino da Pescia estava em suas mãos, e ela poderia determinar se eles seriam severamente punidos ou salvos. Com esse tipo de declaração, ela coagia a comunidade e isto dava a ela uma parcela considerável de poder. Haviam interesses envolvidos por parte do clero e suas visões traziam cada vez mais recursos para que a obra do convento fosse concluída. Enquanto seu desempenho contribuísse para tal ela seguiria livremente.

As investigações não estavam, porém, concluídas. A perigosa dinâmica interna dos conventos eram observadas de perto pelo Santo Oficio. pois traziam a memória dos investigadores outros casos, onde muitas vezes ocorriam situações tramitavam entre santidade e loucura. Alguns casos de assassinatos , por exemplo. Afinal não é difícil imaginar as tensões que surgiam a partir dessa dinâmica,onde conviviam mulheres de real vocação e outras não, com níveis de riqueza, educação e idades diferentes, uma situação própria de conflito.
Durante a primeira investigação, Benedetta fica um tempo afastada da sua função de abadessa, sendo reempossada a seguir, e tudo volta ao normal, por algum tempo. Nada de significativo foi registrado durante os dois anos seguintes, e Benedetta levou uma vida dupla,- como administradora e líder espiritual , e por outro lado como mística.
Entre agosto de 1622 e março 1623, o núncio papal (5°), que como representante da Santa Sé, tinha autoridades obre a Pescia, envia diversos juízes para investigarem as alegações de Benedetta. Esses juízes tinham mentes céticas, e talvez por alguma denuncia de algum outro convento enciumado, ou talvez um exame burocrático rotineiro de jurisdição chamou a atenção  e a legitimidade de Benedetta é mais uma vez questionada.

Os inquisidores retornam a Pescia e reiniciam suas investigações. Desta vez as freiras, que já não agüentavam os desmandos de Benedetta que de boa nada tinha, segundo elas, resolvem contar ao Santo Oficio que não estavam certas da veracidade das visões, que de fato nada viram sabendo apenas o que lhes era dito por Benedetta nestas ocasiões, e Bartolomea Crivelli “testemunha” de seus êxtases místicos, confessa seu envolvimento com Benedetta.

Em relação a sua espiritualidade, esses foram alguns dos fatos destacados pela autora. O relato de todo o drama pessoal que viveu e sua ligação nem um pouco ortodoxa com Bartolomea, nos diz que Benedetta foi uma santa inventada, primeiramente idealizada por seus pais, sendo criada e treinada dentro da fé crista, e depois pela própria tônica do enredo onde sua historia se desenrola. Podemos notar que todos os fatos narrados, em relação a suas visões, vão de encontro aos conhecimentos que ela obtivera através de sua preparação para a vida monástica e muito tênue e a linha que separa sua espiritualidade de sua imaginação, num mundo que começava se expandir buscando importância e riqueza.
Benedetta era apenas uma mulher humana com um ego inflamado que, como tantos outros personagens de histórias sagradas, acredita piamente ser receptáculo de um ser divino – não podemos julgar isso como um simples fingimento e sim algo bem mais profundo- e a igreja se serviria disso do modo como lhe fosse conveniente, encontrando sempre no lado humano algo contrario a toda essa “virtude”, quando isso representasse algum perigo àquela instituição...
E quem não tem pecados? Ela tinha...

1° - A origem da Ladainha de Todos os Santos data do século III. O texto-base chamava-se Oração dos Fiéis, onde constavam os nomes dos santos mártires, cujas memórias eram celebradas durante a Missa. Com o passar dos anos, essa lista foi sendo ampliada e passou a ser chamada Ladainha ou Litania de Todos os Santos. Hoje em dia, ela é rezada pelos fiéis durante as celebrações batismais.
2° - SantaCatarina nasceu em SienaItália no dia 25 de março do ano 1347, sendo a 24ª filha de um tintureiro chamado Giacomo di Benincasa. Os seus pais eram burgueses comerciantes, com forte sentido religioso e familiar, próprio do seu tempo.                Aos sete anos de idade Catarina consagrou a sua virgindade a Cristo e aos 15 ingressou naOrdem Terceira de São Domingos.
3° “As montanhas, portanto, impõem-se às planícies”. Impõem-se porque a planície carece de um grande recurso que a montanha possui: o homem que trabalha. É que a população das montanhas é móvel, e suas próprias características físicas não permitem o desenvolvimento de populações abundantes, mas que não cessam de crescer. Assim, no pensamento braudeliano, a pobreza da montanha é secundária perto do “movimento” que ela permite (Braudel, 1983, p.43).
4° »...antes da aceleração do trabalho humano, da construção de estradas e cidades, eis a grande característica física das planícies: “servem normalmente de coletores para as águas” (Braudel, 1983, p. 73). Todas essas zonas baixas conhecem a estagnação das águas e suas conseqüências: a água estagnada é sinônimo de morte, conservando perigosa umidade, são causadoras das febres palúdicas. “Trata-se, para resumir, de uma verdadeira doença do meio geográfico” (Braudel, 1983, p.78).
5° Um núncio apostólico ou núncio papal é um representante diplomático permanente daSanta Sé - não do Estado da Cidade do Vaticano - que exerce o posto de embaixador. Representa a Santa Sé perante os Estados (e perante algumas organizações internacionais[1]) e perante a Igreja local. Costuma ter a dignidade eclesiástica dearcebispo. Normalmente reside na nunciatura apostólica, que goza dos mesmos privilégios e imunidades que uma embaixada.



Última Parte –
Sexualidade

Os investigadores estavam despreparados para muitas das revelações que foram feitas pelas freiras do convento, em especial pela irmã Bartolomea Crivelli, acompanhante especial de Benedetta durante os anos anteriores. Ela relatou que Benedetta a persuadia a envolver-se nos atos mais impuros, os quais ela só viria a revelar naquele momento por um sentimento de enorme vergonha, e por ter descoberto que Benedetta era uma impostora, que seus feitos eram mentiras. Ela relata:
Benedetta, durante dois anos seguidos e pelo menos três vezes por semana, de noite, depois de tirar a roupa e ir para a cama, esperava que sua acompanhante tirasse a roupa e, fingindo precisar de sua ajuda, chamava-a. Quando Bartolomea se aproximava, Benedetta agarrava-a pelo braço e a atirava à força na cama. Abraçando-a, ela a colocava embaixo de si e, beijando-a como se fosse um homem, falava-lhe palavras de amor. E ela ficava se mexendo em cima dela até que ambas se corrompiam. E, assim, à força, ela a segurava por, uma, duas e às vezes até três horas.”
Bartolomea relata também que os fatos não ocorriam apenas durante a noite, mas também durante o dia quando Benedetta fingia estar doente e ficava na cama ou na sala de Benedetta, pois sendo Bartolomea analfabeta, Benedetta se ofereceu para ensiná-la a ler. Esse era um pretexto para os encontros diurnos.
Não se tinha notícia desse tipo de coisas nos conventos da Itália, sabia-se apenas de relações entre freiras e padres, mas não entre mulheres, razão pela qual os juízes que ouviram a história de Bartolomea não tinham absolutamente nenhum esquema intelectual ou imaginativo para incorporar o tipo de comportamento que ela descrevia.
Questionada sobre sua passividade diante dos fatos, Bartolomea  respondeu que para seduzi-la e enganá-la, Benedetta lhe dizia que nem ela nem Benedetta estavam pecando, porque era o anjo SPLENDITELLO  e não ela que fazia aquelas coisas. E ela falava com a voz de SPLENDITELLO ao falar através de Benedetta, prometendo-lhe que um dia, também Bartolomea veria sua presença angélica. Sentindo que Bartolomea não estava totalmente convencida, o próprio Jesus falava às vezes através de Benedetta antes de fazerem amor. Quando Benedetta falava como SPLENDITELLO, não só a Bartolomea, mas também a outros observadores, sua voz, sua linguagem e até sua aparência mudavam: ela aparentava um belo menino de 15 ou 16 anos.
Para os juízes eclesiásticos, segundo alguns juristas, ambas eram igualmente criminosas, pois além de simples atos de luxuria, as duas mulheres praticavam masturbação mútua até atingirem o orgasmo. Ser amada, desejada, acariciada e beijada por um anjo ou por um ser humano, certamente ligava Bartolomea e Benedetta por uma necessidade profunda de calor e companhia.
Bartolomea a todo momento afirmava que fora forçada a manter a relação. A sociedade em que ela vivia era uma sociedade religiosa na qual o sobrenatural e o milagre participavam ativamente na vida quotidiana. Ela era analfabeta, e a soma de todos esses fatores podiam dar a ela a crença de que SPLENDITELLO fosse uma presença bem real.
Quanto a Benedetta, o registro eclesiástico indica que como SPLENDITELLO, Benedetta afirmava amar Bartolomea e exigia seu amor em troca. Ela não só oferecia amor como também queria ser amada, e o que ela buscava na relação era mais que o prazer sexual, queria amor em todos os sentidos.
Privada ainda muito nova do amor e proteção dos pais, especialmente do pai, ao qual era profundamente ligada, proibida pelas leis da vida em clausura desde seus nove anos de estabelecer outros laços de família ou de amizade, Benedetta buscara afeição em outra parte e encontrara-a nos braços de Bartolomea. Mas Benedetta não era uma mulher comum, era uma freira, assim SPLENDITELLO, sua identidade masculina, não poderia ser um homem, mas um anjo, para ser compatível com as proibições sexuais impostas pelo voto monástico. Nesse papel duplo, de homem e de anjo, Benedetta se absolvia dos pecados.
SPLENDITELLO era essencial para sua noção de “eu”, porque lhe permitia assimilar e burlar os valores da sociedade patriarcal.
Benedetta recusou-se a discutir seus sentimentos ou sua relação com as autoridades. Ela negou os fatos e o que se sabe provêm dos relatos de Bartolomea.
Como as autoridades eclesiásticas responsáveis pela investigação não conseguiam compreender completamente o que havia ocorrido, para demonstrar o mau comportamento sexual de Benedetta, deram uma pincelada final acrescentando que segundo depoimento de quase todas as freiras, Benedetta, enquanto abadessa, encontrava-se diariamente com sacerdotes e que foram vistos segurando e beijando as mãos uns dos outros. Essas acusações eram importantes porque ajudavam a armar a acusação da falta de virtude de Benedetta.
Com essa nota o relatório se encerrava.
No último relatório sobre Benedetta a conclusão tendia à indulgência e à falta de consentimento e de vontade por parte dela.
Nos próximos 40 anos não há registro sobre a história de Benedetta ou sua situação, apenas fragmentos do registro de uma freira que relata que “em 7 de agosto de 1661 Benedetta Carlini morreu aos 71 anos de febre e dores de cólica, depois de dezoito dias de doença. Ela morreu em penitência tendo passado 35 anos na prisão”.
Como houve um intervalo de três anos entre o final do inquérito e a prisão, não se pode precisar qual o motivo que finalmente motivou a sentença. Segundo a autora, Benedetta saiu-se relativamente bem, pois se provada a prática de sodomia, tanto ela como Bartolomea seriam condenadas a serem queimadas na estaca, pois esta era a pratica corrente.
Quanto a BARTOLOMEA, a mesma freira escreve em seu diário  que ela veio a falecer em 18 de setembro de 1660, que havia passado por grandes dificuldades, que trabalhava o mais que podia e era totalmente devotada à oração sagrada, o que sugere que ela estava integrada à rotina do convento. Não há nenhuma notícia de prisão e ao que parece ela passou a vida como uma freira comum.
Já BENEDETTA era uma ameaça maior, por isso a prisão.
No mesmo diário há relato de que a notícia de sua morte espalhou-se para fora dos muros do convento, e devido à sua popularidade 40 anos antes, foi preciso trancar as portas da igreja para evitar o alvoroço e tumulto da população até a hora do enterro.
Porque?  Talvez pelo fato de seus avisos proféticos terem se concretizado, como a peste que se abateu sobre Pescia em 1631, trazendo morte e miséria.
No fim Benedetta triunfou. Ela deixou sua marca no mundo, e nem a morte nem a prisão puderam silenciá-la”.

Conclusão
Na Europa pré-moderna pensava-se que as mulheres eram mais facilmente propensas à devassidão que os homens. Em conseqüência disso, as acusações contra mulheres baseadas em más condutas sexuais eram freqüentes, só que na grande maioria dos casos, o objeto sexual do desejo feminino era homens.
Durante muito tempo os Europeus não aceitavam o fato de que uma mulher ser atraída por outra mulher. A visão da sexualidade humana era falocentrica – as mulheres tinham que ser atraídas por homens e vice-versa. No direito, na medicina e na mentalidade popular as relações sexuais entre mulheres eram ignoradas.
Segundo a autora, haviam milhares de casos de homossexualismo julgados pelas cortes legais e eclesiásticas na Europa medieval e do inicio dos tempos modernos, mas não há praticamente nenhum envolvendo relações sexuais entre mulheres. Há referência a uns poucos casos ocorridos na Espanha, quatro casos não totalmente esclarecidos na França, dois na Alemanha, um na Suíça, um na Holanda e nenhum, até a época em que o livro foi escrito, na Itália.
Em uma de suas epístolas São Paulo já fez menção a está prática (pg 15 – linha 2). Sobre isso, Santo Ambrósio (século IV), São João Crisóstomo (século IV), Santo Anselmo (Sec. XII) interpretam o texto como uma referência ao sexo entre mulheres.
Essa prática ofendia tanto a lei de Deus que os primeiros manuais de penitência já contemplavam penas os seus praticantes.  O livro mais conhecido que condena essa prática entre outras relacionadas ao sexo é a Suma Teológica” de São Tomas de Aquino.
Para eliminar a tentação, os concílios de Paris de 1212 e de Houem de 1214 proibiram as freiras de dormirem juntas e estabeleceram que deveria haver uma lamparina queimando a noite toda nos dormitórios. A partir do século XIII, as regras monásticas recomendavam que as freiras não entrassem umas nas celas das outras, que deixassem as portas destrancadas de forma que a abadessa pudesse inspecionar. A intenção das regras era implícita e a idéia de que essa prática pudesse acontecer era abafada, não se queria crer nessa possibilidade.

A Autora
Judith C. Brown:
ü  Historiadora, ex-decano da Faculdade de Ciências Humanas e professora de Estudos Medievais da Faculdade de História na Universidade Rice.
ü  É vice presidente para assuntos acadêmicos e reitora na Universidade Wesleyan.
ü  É bacharel e mestre em História pela Universidade da Califórnia em Berkeley .
ü  É PHD em História pela Universidade John Hopkins.
ü  Sua área de atuação é Primórdio da Europa Moderna, da Renascença italiana, econômica, social e história de gênero
ü  Em 1997 fundou um Centro de Estudo de Línguas para incentivar abordagens inovadoras  de ensino da língua e aumento da participação de alunos em estudos e trabalhos no exterior.
ü  Sua bolsa de estudo diz respeito principalmente à cultura e sociedade do renascimento na Itália.
ü  Seu primeiro livro: “Na Sombra de Florença: Sociedade Provincial na Renascença Pescia” (1982) explora os efeitos sociais, econômicos e políticos do imperialismo florentino.
ü  Seu segundo livro: “Atos Impuros, a vida de uma freira lésbica na Itália da Renascença, de 1986 foi traduzido para nove línguas, investiga as atitudes em relação ao gênero e sexualidade através de um caso que começou como uma investigação eclesiástica sobre experiências místicas de uma freira.
ü  Ela está atualmente trabalhando em um estudo sobre “A Economia Política de Cósimo I de Médici”, o primeiro duque da Toscana e grande patrono das artes.

Bibliografia
“ATOS IMPUROS - a vida de uma freira lésbica na Itália da Renascença”  - Judith. C. Brown