domingo, 27 de maio de 2012

Cântico Negro


"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe


Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...


Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?


Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,


Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...


Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.


Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...


Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...


Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!

POR: José Régio

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Sem Nexo




Eu vou ler esse poema
Porque minha memória é fraca e desconexa
Porque meu improviso já desabou em tantas falhas
E o sentido sempre distorcido
Sempre sem sentido

O que abro aqui é meu coração de papel
E o poeta só escreve porque não sabe dizer
Conhecedor das palavras
Não sabe dizê-las
Sabedor de que o que se diz não é o que se entende
Não é o que se sente

Haveria muito mais silêncios aqui
Se entendêssemos melhor que nunca somos compreendidos
Não importa quantos gritos
Não importa quantos gritos
Não importa nossos sussurros
Não importam quantos gritos

II

Aqui não há beleza, há gritos
Não vou dizer a alegria
Nem descrever a beleza
O que tenho é um prato cheio de tristeza
Do que é feio
Cheio de verdades duras

Saí pelos corredores e entrei no quarto
Um pai morto
Lâminas afiadas e pulsos cortados
Despedidas
O beijo é o ultimo antes da partida

Uma oração em vão contra um céu vazio
Somos falhas e discursos vazios
Somos desencontros
Almas gêmeas e palavras erradas
Covardias

Somos deus, somos nada
Sobreviventes das cinzas
Raízes semeadas no vazio
Talvez por isso mais fortes
Mas talvez por isso mais covardes


Por: Wesley in Chains

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Longo e Lento




Breve
Meu tempo, meu momento, meu instante
Um partir tão de repente
Um devir
Um tornar-me tão fugaz
Inconstante

E querer o mais
O duradouro
Num vulgar dizer eterno
Eu te espero
Ainda que eu seja quem parta
Ainda que me despeça

Vou te deixar
Ainda que só em texto
A constante de meus desejos
Ainda que dentro de um longo e lento adeus
Que seja um longo e lento beijo


Por: Wesley Grunge

Sonho Dentro de um Sonho




E aqueles fecham seus ouvidos
Para a sabedoria daquele que é sonhador confesso
Que se expressa no seu mundo de algodão e planos maravilhosos

São aqueles que estão presos dos pés à cabeça
Na sua realidade e nas suas compras
Nos seus amores pragmáticos
E na velocidade tecnológica do boato

E o sonho dentro de um sonho
É um abraço amigo de olhos fechados
Desses que já não se dão há muito tempo
Implanejados, incalculados como essa licença poética
Usada por falta de dicionário
Quando as palavras me fogem

A escrita nunca será perfeita para traduzir um sentimento incalculável
Nunca será livre o suficiente para escrever um sonho dentro de um sonho


Por: Wesley Grunge